BIOGRAFIA

Rafaela Lacerda
Nasci no ano do Big Brother. O do Orwell. As leituras sempre estiveram presentes. Os papéis e as canetas também. Aos onze anos, tinha a plena convicção de que iria ser uma grande escritora e ganhar o prémio Nobel. As crianças sonham de mais. Os adultos de menos. No que respeita a sonhos, continuo a ser um Peter Pan, que se recusa a crescer. Tive a fase ultra-romântica, culpa do Camilo Castelo Branco, da Teresa e do Simão, em que todas as personagens morriam de amor, ou de tuberculose, o que, no papel, resultava no mesmo. Passei para o realismo, com a Maria Eduarda e o Carlos Eduardo. Li Os Maias três vezes, cada uma como se fosse a primeira, e descobri que o realismo magoa mais do que o romantismo. E gostei dessa crueza. Aos treze anos, quando, por culpa do professor de Português do oitavo ano, li Uma esplanada sobre o mar, de Vergílio Ferrreira, descobri um admirável mundo novo, não o do Huxley, ainda não li, falha grave no meu percurso de leitora, eu sei, mas o do existencialismo. E que mundo. Agreste, amargo, inquisidor. E depois veio O Envangelho Segundo Jesus Cristo, não porque o meu Camarada José Saramago ganhasse o Nobel, mas porque o vi à venda na feira do livro do ano anterior e disse aos meus pais que queria ler aquele. O Vergílio Ferreira dizia que o Eça de Queiroz o ensinou a escever e o Malraux o ensinou a pensar. Eu posso dizer que o Vergílio Ferreira e o José Saramago me ensinaram a escrever e a pensar. E tenho de juntar a este rol de professores o Harold Pinter, dramaturgo genial, que me fez perceber a importância da palavra dita, do diálogo, da acção-reacção, das minudências da vida real, que são, afinal o sumo da nossa existência. Não são as grandes questões da humanidade que fazem a roldana engrenar, antes os nadas do dia-a-dia.
Quando fiquei grávida, pensei que, se fossem gémeos, seriam o Baltasar e a Blimunda. Nasceu o Fausto.