Avulsos

Terceiro dia

Levanta-se, pousa o livro na cadeira, diligente, como se deitasse o filho que não teve, aproxima-se dele, ali prostrado no chão. Toca-lhe com a ponta do pé descalço, deformado de joanetes, cansado de correr atrás do prejuízo. Não obtém reacção. Agacha-se, examina o tórax, não vê o costumeiro sobe e desce do diafragma. Os olhos, por vezes, são traiçoeiros, fazem-nos a vontade e oferecem-nos ilusões com forma de liberdade. Tacteia em cima do toucador, o estojo de maquilhagem tem um espelho. É minúsculo, há de servir. Põe-no sob o nariz do marido, não embacia. Poderá estar a suster a respiração? Poderá estar a respirar pela boca? Poderá estar a fingir, apenas à espera de que ela fique a menos de um braço de distância? Experimenta na boca. Não embacia.
Estás morto, cabrão. Está morto, murmura de olhos inundados de sal. Limpa o rosto à manga, senta-se ao toucador, olha a imagem que o espelho lhe devolve. A cara esborratada, maquilhagem barata, comprada à socapa, para evitar mais uma chapada. Agora, já não precisa. Agora, pega num disco de algodão, no creme desmaquilhante e limpa o rosto. Sob a armadura cosmética, as mazelas vão surgindo. Um olho negro. Vê lá tu que dei com a porta do carro na cara, justifica no trabalho àquela colega que consegue ver para lá dos limites do olho condescendente. A cada passagem, o algodão vai absorvendo o que pode, um tira-gosto da desgraça. Olha para o espelho, o homem jaz lá atrás. Ainda deve estar morno. Este não vai ressuscitar ao terceiro dia. A menos que seja para lhe assombrar a vida. Pior do que estava não fica, por isso continua a observação. Um homem possante, alto, garboso galã de cinema, agora ali vulnerável à vontade dela. Isto correu mesmo bem. Não entorneinem uma gotinha de sangue. Nunca mais me tocas, cabrão. Trinta e dois anos. Trinta e dois anos de agressões, chapadas, murros, pontapés, violações. É o teu marido, como é que podes dizer que foste violada? Que exagero. Se lhe desses mais assistência. Andas sempre enjoadinha… E a pior de todas, não trabalhas, não fazes nada. O mínimo é um agrado ao teu homem que vem estourado de trabalho, só quer descansar, E eu? Eu também trabalhei. Estendi roupa, fiz o almoço, limpei a casa, lavei a casa de banho, a cozinha, pus roupa a lavar, fui estender. Basta. Hoje fugi. Fugi daquela vida de merda, daquele inferno que me sufoca. Fugi dele, Que egoísmo, recriminam-me de um lado. Vais fazer o quê à tua vida? Nunca trabalhaste, não sabes fazer nada, Posso servir, fazer comida, engomar, só não quero levar mais porrada. Por favor, para, implorava de joelhos, entre um murro e um pontapé. Quem era o gajo que eu vi a sair daqui, hã? Andas enrolada com ele, é? Podia ser teu filho, minha puta. E não a deixava explicar que era apenas o estafeta da empresa de gás a entregar uma bilha. Ou o carteiro com uma carta registada que era preciso assinar. Ou uma vizinha curiosa que, em troca de um torrão de açúcar, logo vai aproveitando para espreitar para dentro de casa, em busca do caos. Não mora ali, apenas dentro dela.
A última tareia doeu. Já não se lembra o motivo, na verdade, nem ele sabia já. Era só bater por bater para descarregar a raiva, a frustração. Usou o cinto. Depois, aproveitou estar com as calças desapertadas e, de pénis em riste, trespassou-a a seco. A única humidade, as lágrimas que escorriam furtivas, com medo de serem apanhadas. Foi a última vez que me tocaste, murmurou quando ele acabou de se lambuzar e a abandonou dormente e pegajosa de sangue e de esperma.
Hoje tinha o jantar preparado quando ele chegou do trabalho. Serviu-lho como de costume, a sopa, primeiro, o prato, depois um copo de vinho. Sopa de agriões com brometalina, jardineira de carne com colecalciferol. Há três dias que lhe andava a misturar varfarina no leite do pequeno-almoço e até agora nada. Foi à loja reclamar que continuava com a infestação de ratos, que o que lhe tinham vendido não estava a fazer nada. É um anticoagulante, demora dois a quatrodias a provocar a hemorragia interna, explicaram. Que não servia, que precisava de coisa diferente. Não quero equipa nenhuma, que eu sei muito bem dar conta do recado, reclamou espevitada. Assim fosse com o resto. Então ao terceiro dia, além da hemorragia, iria provocar-lhe ataxia, rigidez muscular causada pela afectação do sistema nervoso, e uma descontrolada elevação dos níveis de cálcio, causando a falência de órgãos. Iria agonizar, decerto, e ela não podia estar mais exultante. Depois do jantar, sentou-se a ler. O Livro do Apocalipse foi o eleito. Quis dar alguma justiça poética ao momento solene, mas inquietação era tudo o que sentia. Tanto tempo, nunca mais? Consulta o relógio amiúde. Treme a biqueira do sapato, morde o lábio na aflição da expectativa. Tanto tempo, vozeia sem querer. Leva a mão à boca arrependida, mas, nesse instante, começa ele uma dança robótica, como se uma praga de escaravelhos o estivesse a comer por dentro. Pede-lhe ajuda, ela continua sentada, livro na mão, a apreciar o espectáculo. Implora clemência, mas esta não vem. Nunca foi para um lado em trinta e dois anos, porque havia de ir agora para o lado oposto? O que é que tu fizeste? Libertei-me, Estás demente, não, vou morrer? Espero que sim, E depois? Depois? Vais fazer o que da tua vida? Não trabalhas. Vais viver de quê? Na prisão, não preciso de trabalhar para ter comida, cama e um livro para ler, Vais para a prisão? Estou a contar com isso, Por quê? Quero ser livre. Experimenta novamente o espelho. Não embacia. Diafragma imóvel. Quem lhe dera poder sentir o sangue a rebentar dentro do corpo dele, o sistema a parar, a entupir, entupir, entupir até implodir. Pega no telemóvel. Estou? Polícia? Matei o meu marido. Não foi acidente. Eu espero

Brisa molhada à beira mar

Não chove, Como é que sabes?, É o que diz no Borda D'Água, Confias nisso?, Mais do que em mim própria, Larga isso, anda dormir. Ela anui. Tapa as janelas, espreita as crianças. Dormem, na tranquilidade da ignorância. Na cama, o seu homem aninhado sob as cobertas. Dorme. Estafado de mais um dia a servir turistas, que gastam mais num copo de fim de tarde do que o que a jorna lhe rende para que não falte o pão na mesa. Aconchega-o. Sorrateira, abre a porta, sai, encapuza-se para a brisa molhada da beira-mar não a engolir. Vamos de férias, mãe?, Não é bem, meu amor. E foram arrumar os brinquedos. Vamos viver na casa de ir de férias, gritava a pequenina. Vamos andar sempre de férias, entusiasmava-se a mais velha. A do meio, ponderada, pergunta pelo quarto. O seu quarto. Levamos as nossas coisinhas todas para a autocaravana, Porquê?, Vamos viver ao pé do mar. Procurar o peixinho dourado. E isto bastava-lhes. Não precisam de lhes explicar que os pais não conseguem ter a renda da casa em dia, que o hotel onde trabalham não lhes paga o aumento que o senhorio impôs, que têm de escolher entre o tecto e a barriga. A autocaravana serve, garantiu-lhe ela, quando ele, temeroso, lhe rogou uma solução. Não podemos ir viver para o parque de campismo, ripostou ele. Queres fazer o quê? E dá-te por feliz de a termos senão agora era debaixo da ponte, E as crianças?, São rijas. Ela encolhe-se ainda mais no capuz, a proteger-se do amanhã. Não tem sono. Se ao menos a noite durasse para sempre… Se a noite durasse para sempre, podia dormir. Se a noite durasse para sempre, não mais teria de acordar para os grilhões que a prendem à dor de não ser capaz de mudar o mundo. O seu mundo. Podia morrer amanhã, não mais lutar no esforço inglório de todos os dias carregar o pedregulho até ao cume da montanha e vê-la despenhar-se no último movimento, mas a morte é demasiado egoísta para lhe fazer a vontade. Amanhã não vai morrer, vai fazer camas e limpar sanitas borradas a ouro. Uma raiva nasce-lhe nos olhos e desce húmida pelo rosto. No chão, uma garrafa reluz sob o candeeiro mortiço do parque de campismo. Uma cerveja. A saudade deixa-lhe a mão trôpega, a garrafa cai, estilhaça-se em gumes apetecíveis. Olha o caco, olha o pulso. Encosta o vidro à pele, o frémito percorre-lhe os sentidos, uma tontura, a visão turva. Aclara os olhos, firma o alvo. Pressiona. Um vulto surge à porta, surpreende-a. Mãe, tive um sonho mau, tenho medo, Ó meu amor, a mãe está aqui. Vamos. Antes de fechar a porta, uma mirada ao caco. Talvez amanhã ainda lá esteja.

Feliz Natal

E, de repente, o teu nome ecoa nos escombros do hospital. O som escorre-me pela boca, mas é o coração que grita, esventrado de incredulidade. Depois o silêncio. Só o silêncio, apenas cortado pelo trovão das bombas que rasgam a noite. Agarro no teu corpinho dilacerado, um farrapo de três anos, e tento sair. O médico trava-me. Deixe-me ir, imploro-lhe. Tenho de tratar de si, Para quê? Não conseguiu salvar o meu filho, vai tratar de mim para quê?, A senhora tem um rasgão na coxa, Tenho de enterrar o meu filho. Não consegui enterrar o pai dele, enterro-o a ele, Mas está a perder muito sangue, não vai conseguir andar muito, Não quero andar muito, só o quero enterrar. E, agarrada, ao corpo desengonçado do meu filho morto, avanço decidida hospital afora. Espere, grita o médico, com um trapo na mão. Deixe-me atar este pano. Sempre serve de garrote. Deixo. Agradeço-lhe com os olhos marejados de raiva. Saio. Logo uma bomba explode a poucos metros, o impacto atira-me ao chão, projecta o teu corpinho inane dos meus braços. Tonta, surda, ainda mais ensanguentada, ergo￾me, arrasto-me na tua direcção, vejo-te afundado nos cacos deste caos infinito. Acerco-me de ti, continuas morto. Ledo engano pensar, ainda que por um instante tão fugaz, que a realidade pudesse ser revertida. Arranco-te ao entulho, esmago-te de encontro ao peito e vou. À procura de terra. Da terra onde possa nascer a tua sepultura. Vou confiante, apesar do bombardeio ininterrupto, não vacilo cada vez que a terra treme, não te largo a cada tombo que dou. Também aqui nasceu um menino há dois mil anos. Também a mãe dele era Maria. Também ele morreu, porque ela não o conseguiu salvar da ira, da ganância dos homens de deus. Enfim, encontro terra. Enfio o teu corpinho esfarrapado por dentro dos trapos que me agasalham, cavo. Não preciso de cavar muito fundo, és pequenino. De idade, de tamanho, de maldade. Sucumbiste a uma guerra que não é tua, no meio do caos e da sofreguidão do poder. Aninho o teu corpinho mole, ainda morno, na cova acabada de abrir. Resgato do bolso o teu coelhinho de orelhas felpudas. Encosto-o à tua cara, tapo-os com dois punhados de terra, no lugar do epitáfio, as tuas botinhas de lã. Não vais renascer ao terceiro dia, como o filho da outra Maria, vou eu morrer daqui a pouco, com o fogo que cruza o céu e ilumina a noite nesta faixa de terra quase extinta. Por todo o mundo, hoje sentam-se à mesa as famílias. Juntas, aconchegadas, protegidas. Aqui, sentamo-nos na campa dos nossos filhos à espera que o fogo cesse ou nos leve para junto deles. A mim, ainda não me levou para o pé de ti. Continuo à espera. 

Gaza, 24 de Dezembro de 2023.


Consoada

— Porque é que não consigo abrir os olhos? — aflige-se ele. O que é que me está a prender? Onde é que estou?

Empenha o rosto no movimento, nada mexe. Tenta levantar a mão para constranger as pálpebras, mas o esforço é vão. A mão não mexe. Nenhum dos dedos. Talvez se consiga levantar. Não. A respiração acelera, não compreende o que se passa, apenas que não se passa nada. A aflição agarra-o com a mesma força daquilo que lhe prende os movimentos. Está preso, só pode ser. Mas onde? Em quê? Agita-se, tenta soltar-se. Uma película rígida cola-se-lhe a cada centímetro do corpo. Uma mortalha? Um sarcófago? Não consegue mexer o corpo, não consegue abrir os olhos, mal consegue respirar. A película abafa-lhe o peito, comprime-lhe o tórax, exaure-lhe as forças. Debate-se na aflição da imobilidade, na claustrofobia cega que o invade. Não vê, não respira, não mexe um músculo. A armadura que o confina não permite maleabilidade, de tão rígida. Sente-se envolto num bloco de cimento que secou no exacto momento em que expirou, no exacto momento em que os olhos fecharam. E não mais os consegue abrir, porque as pestanas não rompem o cimento, e não mais consegue inspirar, porque o ar não atravessa a argamassa petrificada.

Tantas perguntas, tanta dificuldade em encontrar as respostas. Tenta amainar o pensamento, compreender o que está a suceder, analisar a situação. De súbito, percebe que os ouvidos não estão submersos. Ao fundo, uma repetição maquinal de instrumentos que não distingue. Um apito regular, um metrónomo electrónico que lhe marca a cadência da respiração bruxuleante. Eis um vozear, uma esperança.

— Socorro — grita. — Tirem-me daqui, socorro.

Ninguém. Ninguém em seu auxílio.

— Porque é que não me ouvem? Porque é que não respondem? Tirem-me daqui. Socorro. Estou preso no…

Pára. Está preso onde? Como dizer onde está, como explicar de onde o podem tirar se nem ele sabe? Aguça o ouvido para as vozes. Aos poucos, vai distinguindo os timbres.

— Duas mulheres — conclui. — Tirem-me daqui.

A conversa, porém, continua na mesma cadência.

— Porque é que não me ouvem?

Percebe então que o pensamento acabado de discorrer tem o mesmo volume do seu grito. Também não consegue pedir ajuda. Porquê?

— Socorro.

Ninguém o acode. As vozes das mulheres tornam-se tão nítidas como a dificuldade em respirar.

— Mãe? — duvida ao distinguir uma delas. — Mãe — chama com veemência quando a perplexidade o consente. — Mãe, estou aqui. Não me ouves? Tira-me daqui. Não me consigo mexer, não consigo respirar. Ajuda-me.

As mulheres continuam o diálogo surdino. A mãe continua a explicação.

— No ano passado, era especial. Era o primeiro Natal em que ele tinha a casa dele, desde que foi estudar para lá. E eu ia passar lá o Natal com ele. Só os dois, como foi a vida toda. Só que eu fiquei doente. Nada de especial, uma daquelas gripes de chacha que aparecem sempre no Inverno, mas estava cheia de febre e de dores no corpo, parecia que tinha levado uma tareia, e então decidimos que eu não ia, vinha ele a casa, como todos os anos. Ele não queria deixar-me conduzir assim. Não é muito longe, uma horita de caminho, mas ele insistiu. E eu acabei por aceitar. À noite, já estava bem melhor, podia ter ido sem problemas, mas já tínhamos combinado, e ele estava a caminho, com mais três colegas do trabalho que também moram para estes lados. Ainda me telefonou a dizer que não se via nada, que havia um grande nevoeiro na Nacional, que iam demorar a chegar, mas já estavam perto, aqui ao lado. E, de repente, um barulho… Deixei de o ouvir. Percebi depois que foi um acidente, bateram num camião e morreram. Todos. Todos, menos ele. Ficou todo espatifado, mas não morreu. Trouxeram-no para o hospital. E quem é que estava de banco? Eu. Recebi o meu filho naquele estado, sem saber que era o meu filho. Só quando o vi. Tinha lesões irreparáveis na C1, na C5, na C6 e na C7, tinha um pulmão perfurado e uma perna cortada. Nunca mais ia andar, nunca mais se ia mexer, nunca mais ia ser o meu filho, o meu bebé. Percebi logo que ele nunca mais ia sair de uma cama de hospital, de um bloco de cuidados intensivos, nunca mais ia respirar sozinho… Não aguentei. Sou médica, mas ele é meu filho. E não tive coragem de o ver assim, parecia um monstro, um… Pensei acabar com tudo logo ali, mas começou o alarido à minha volta, e eu lembrei-me do meu juramento, e de um outro que fiz ainda ele andava dentro da minha barriga. Não tive coragem. Fugi dali. Tranquei-me em casa, no quarto dele. Passei a consoada no escuro, debaixo do edredão. Cheirava a ele. Não era o cheiro da carne aberta que eu queria recordar. Era o cheirinho do meu bebé. Faz hoje um ano, exactamente um ano, daqui a uns minutos. Noite de Natal, consoada. Por isso, tem de ser hoje.

— A doutora tem a certeza? — pergunta a outra voz.

— Tenho, enfermeira. Isto não é vida, isto não é o meu menino. Ele nunca vai sair daqui. Pelo menos, vou dar-lhe alguma dignidade.

— Compreendo, doutora, vou deixá-la sozinha.

— Obrigada.

— Mãe, o que é que vais fazer? Estou aqui, não me ouves? Não faças isso. Sou eu, o teu filho. Mãe, por favor. Como é que não me ouves? O que é que vais fazer? Socorro, enfermeira — clama, quando o pânico o invade. — Ela vai matar-me. Não faças isso. Mãe.

— Feliz Natal, meu amor.

E, no instante em que desliga a máquina, os olhos do filho abrem. Olham-na com uma mágoa dilacerante.

— Não — grita a mãe.

Linha contínua. Som contínuo. Silêncio. Contínuo.


Da minha janela vejo o teu sorriso

Nunca mais te quero ver, berrou antes de bater com a porta. Com força suficiente para acicatar a cusquice da vizinha. Nada. Vantagens do rés-do chão que, antes de a vizinha impertigada se pôr a jeito, já Joana estava na rua e o Inverno lhe secava lágrimas e ranho sobejantes no rosto. Fiquei sozinha a remoer a culpa que não tinha, palavras que pensava um amuo momentâneo, não uma zanga de vinte anos.

Traíste-me. As amigas não traem, Não traí, mostrei-te a verdade, Nunca mais te quero ver. Saiu azeda, zangada, com ares de vítima incompreendida a quem a vida negara a razão. Telefonei, não atendeu, enviei mensagens, lidas, nenhuma respondida. Tudo numa semana, o ímpeto dos trinta anos. Tentei depois, na ponderação dos quarenta. A ausência de resposta mantinha-se. A Joana, a minha amiga de infância, que se zangou comigo, porque lhe abri os olhos e ela não gostou de enxergar a verdade. Dói, amachuca o ego, amarrota a compostura. É mais fácil bater com a porta.

Ontem, foi diferente. O telefone tocou, no visor «Joana». Atendi, num alvoroçamento confuso, que a acalmia dos cinquenta já não deixa transparecer. Que precisava de me dar uma palavra. Urgente. «Não é dinheiro, não te preocupes.» Não lhe perguntei nada para aquele parêntese. Tentei tirar nabos da púcara, mas o legume entrou em desuso e apenas um «Podemos encontrar-nos amanhã? Às sete. Da manhã», atalhou ela. Não compreendi, porém acedi. Rabisquei a morada num papel apressado e fui dormir. Deitar-me, que o sono é relutante quando mais dele precisamos.

Na manhã seguinte, pus-me a caminho, a pé, para dar tempo à mente de lá chegar. A porta estava aberta. Imprudente, como só ela sabia ser. Entrei, uma sala vazia, o violoncelo pousado lá ao canto. Foi na orquestra que nos conhecemos. Tão diferentes, o violoncelo a aproximar-nos, uma ninharia a separar-nos e agora... Entra, ordena lá do fundo, invisível pela soleira da porta. Não dei um passo. Não tenhas medo. Estou sozinha e não posso com uma gata pelo rabo. Não era o que estavas sempre a dizer? E assomou, com um sorriso impossível de resistir. Um abraço do tamanho de vinte anos tomou conta de nós. Algumas rugas, outras tantas mágoas, mas dir-se-ia termo-nos visto na véspera. Como se a vida rebobinasse à espera daquele encontro adiado, não esquecido. Joana, eu, Não digas nada, Mas eu nunca te expliquei, Depois percebi, Percebeste?, Às vezes, só precisamos de tempo, Nunca mais falaste comigo, Demorei. Tu não me traíste, eu sei, Pois não, mas, Foste para a cama com o meu namorado para me provar que ele ia com a primeira que lhe aparecesse à frente, Dito assim..., Desculpa, não era para ser tão fria. Mas eu percebo. Juro. Agora percebo, E não chegámos mesmo a... tu sabes. Era só para tu veres. Se calhar, há maneiras melhores, Já tomaste o pequeno-almoço?, Comi qualquer coisa, menti. Vamos para a mesa, convidou. E, por detrás da porta, um dejejum digno da última ceia aguardava-nos.

Obrigada por vires. Há arrufadas. Ainda gostas?, Adoro. Comemos. Sem vontade, apenas para encher a boca e o silêncio. Até não aguentar mais. Levantei-me, aproximei-me dela, travei-lhe a trinca. O que é que se passa? Chamaste-me porquê? Para tomar o pequeno-almoço? Somos amigas desde os sete, conheço-te um bocadinho melhor do que isso. Vais contar ou vou-me embora?

Levantou os olhos húmidos, pousou-os nos meus, calcorreou a sala, hesitante. A eloquência nunca foi uma fraqueza e, no entanto... Tenho ELA, explica, Quem? Ela, quem?, Não é ela, ela. É ELA, Não estou a perceber nada, ficaste maluquinha?, Tenho ELA. Esclerose lateral amiotrófica, O quê?, É uma doença. A daquele gajo da cadeira de rodas, do Stephen Hawking, o do universo, todo torto, Eu sei quem é, Tenho o mesmo, Como é que sabes?, Fui ao médico. Não conseguia tocar. Não conseguia pegar no arco, segurar as cordas. Só notas ao lado. Depois deixei cair um copo na cozinha, assim do nada. Detesto partir louça, tu sabes. Depois... Depois que isto só vai piorar. E vai chegar a um ponto em que vou deixar de me mexer, de comer, de falar. E depois vou deixar de respirar, porque os músculos não vão obedecer, e nesse dia... acabou-se. Acabou-se tudo, menos eu. Porque vou estar um caco, mas cá dentro, cá dentro, sei de tudo o que se está a passar, sei de todas as limitações. Não quero que os meus filhos me vejam a ir embora aos bocadinhos. Eu é que tenho de tratar deles, não eles de mim. Por isso, já decidi, O quê?, Vou acabar com tudo antes disto começar, O que é que queres dizer com isso?, Pus uma droga no chá. Só no meu, claro, Joana?, Isto não vai chegar a começar, não deixo, Enloqueceste? Chamo o 112, eles salvam-te, eles, Pára, estás histérica. Confia em mim, Chamaste-me porquê?, Porque era contigo, era contigo que fazia sentido esta viagem, Vão achar que fui eu, Impossível, deixei uma carta. E, quando acabar, vais-te embora. Confia em mim. Confia em mim como eu não confiei em ti há vinte anos. Podemos sentar-nos ali à janela?, O que é que sentes? O que é que faço?, Dá-me um abraço. Vamos só ficar a olhar as árvores, pode ser? Aconchegadas uma na outra como antigamente, Mas..., Pode ser?

Anuí. Deu-me o braço, cambaleante, sentámo-nos, cabelos misturados. De súbito, uma dúvida. Joana?, Sim, Como é que me vou lembrar de ti?, Alguma vez te esqueceste?, É diferente..., Abres a janela, O quê?, Quando te quiseres lembrar de mim, abres a janela, Para quê?, Abres a janela, fechas os olhos e ouves, Ouço o quê?, Ouves, Mas o quê? Não respondeu. Joana? Estava sossegada, encostada ao meu ombro, olhos fechados, sorriso aberto. Apertei-a com força, tanta até gastar toda a que tinha. Deixei-a bem posta, vim para casa, abri a janela, fechei os olhos e ouvi. Da minha janela, ouço o teu sorriso.

Mariazinha

Para sempre, aqui estou. Rodeada de nada. Encarcerada na liberdade fajuta que me impõem. Limpa há três meses. Três meses, que orgulho, dizem os demais. Orgulho de quê? Deixam a comida, medem a tensão, dão-me os comprimidos. Drogas para substituir drogas. Estas, legais. Aprovadas. Bem vistas aos olhos das mentes mirradas de preconceito. Horas de ir passear. Lá vamos nós, todos os cordeirinhos em fila organizada. Lindo jardim com vista para o mar lá ao fundo. Lindo jardim bem murado. As heras disfarçam a prisão. Refeições certas, a horas certas, com as regras certas. Para quem as faz? Para quem as cumpre? O internamento é voluntário, a reabilitação é voluntária, Que bom teres escolhido este caminho. Aceno e sorrio, como dizem no estrangeiro. Seja feita a sua vontade. Tens muita sorte em estares aqui. Estas reabilitações são tão caras. Continuo a acenar e a sorrir. Que mais há a fazer? Esperar. Um mês, um ano? Não sabemos, depende da resposta do organismo. Pergunto-lho todos os dias, não responde, o organismo. Não sei se timidez ou má educação. Dependerá do ponto de vista, decerto. Horas de ir fazer a sesta. Não tenho sono, Nós damos uma ajuda, Posso ficar aqui?, No jardim?, Sim, Sozinha? Não me parece prudente, Aqui não há drogas, não é? Acho que a relva e os plátanos são inofensivos, não são, doutor? Tento o gracejo, o semblante não se altera. Não prefere ir para a sala de pintura? Ou para a sala de música?, Não gosto de pintar. Não sei tocar nenhum instrumento. Gostava mesmo era de ficar aqui. Não há perigo. Não vou fugir, não é? Temos um muro de três metros que dá para uma falésia. Lá em baixo só mar e rochas. Hesita. Sim, acho que não há problema. Vou pedir à enfermeira para vir tomar conta de si, Já sou crescidinha. Só quero ficar a ver o mar. Acalma-me, Está nervosa? Vamos medir a tensão. Tem de se escolher tão bem as palavras... Não, não é isso. Se calhar não me expressei bem. Gosto de ver o mar. Dá-me ainda mais serenidade. Sinto-me... feliz. Eles gostam sempre de ouvir a palavra feliz. Incha-os de orgulho em como estão a fazer o trabalho como deve ser. Muito bem. Então vai ficar aqui a passear. Sente-se, olhe para o mar, descanse. Se quiser dormir, chame, vá ter connosco. Esteja à vontade. Isto é tudo para seu bem, Sim, sim. Sei disso, claro. Obrigada, Ora essa. O bem-estar dos nossos pacientes é a prioridade desta clínica e de todos nós que aqui trabalhamos. Bom descanso, Obrigada. Enfim, a conversa de merda acaba. Deambulo pelo jardim. Já o conheço de cor. Quase um ano a andarilhar pelos mesmos recantos. Faltam dois meses. E depois volta à sua vida normal, à sua... À minha quê? O que é a minha vida normal? Farejar as ruas, ávida por um grama de pó? E como é que se paga? Não tenho mais nada. O carro do pai, o anel da mãe, o colar da avó. Despediram a empregada. Nunca lhe pedi desculpa. Não tenho mais nada, mas eu pago, eu, Pagas com o corpinho, giraça. E pagava. O que quisessem. Até se lambuzarem. Tudo por um grama de pó, tudo para ter tudo e deixar de sentir o nada. Apanho uma flor. Amarela, como o sol que se impõe e esconde todas as estrelas que tentem brilhar. Como o pó. Acerco-me do muro. As florezinhas tímidas da trepadeira acenam-me com braços ondeantes. Ouve-se o mar a chapar na rocha. Ouvem-se os respingos a trepar o muro do lado de fora. Afago um flor roxa, escancarada de beleza, num «olhem para mim» insinuante. Mexo-lhe e vejo o mar. Como? Afasto-a. O buraco maior. Um tijolo caiu. Mexo mais. Outro tijolo. E, quanto mais mexo mais os tijolos se soltam. Já consigo pôr a cabeça. O mar, lá ao fundo, chama o meu nome. Mais um tijolo, e outro, os ombros já passam. Estou debruçada, pernas suspensas, os respingos na cara. Pareço livre. Os chinelos caem. Anda, seduz-me a onda. Empurro o muro, do lado de fora. As duas mãos ao mesmo tempo. A anca passa. Voo. Espera por mim, peço à onda fujona. Ela espera. Vou ao seu encontro. Cumprimenta-me com um beijo salgado. Aconchego-me no embalo. Fico quietinha ao seu colo. Adormeço. A onda deita-me numa caminha de algas. Tão confortável. Aqui fico. Aqui estou. Para sempre. 

Duas Xícaras

Conhecida pela sua milenar falta de tacto, a maçã apresenta-se ao serviço, contrafeita. Hoje faço greve, declara quando transpõe a soleira do pomar. Os outros frutos indignam-se. Não pode ser, não tens esse direito, contesta o coro na fruteira. Ela precisa de ti, recorda a pêra, severa, É bom que não falhes, ameaça o melão, altaneiro, És a única que o pode fazer, adverte a Laranja, implacável.

É a Geni daquele quintal. Ninguém a quer, não merece a consideração, não vale nada, porém, quando é preciso alguém para executar o trabalho sujo, eis a maçã. Foi assim na criação do mundo, é assim nos contos-de-fadas, será assim naquela cozinha empobrecida de ânimo.

Olha à volta. Várias cestas carregadas de maçãs acumulam-se junto às paredes. Maçãs iguais a si, todavia sem as mesmas preocupações. Vêm do pomar, acostam-se à sombra, esperam o banho refrescante, ignoram os porquês de estarem ali. Para sermos embaladas e vendidas, sugere uma com suco para o negócio, Para sermos oferecidas a quem tiver fome, alvitra outra de polpa amolecida, Para consumo da casa, constata aqueloutra de casca mandriona. Estão enganadas, respinga a maçã, revoltada. Ela quer usar-nos, pôr as culpas em nós. Eu ouvi tudo.

Foi a última a ser arrancada à árvore, ouviu as lamúrias, as confissões. Que aquela seria a única solução, que não podia protelar. Vocês vão ajudar-me a tratar da minha filhinha. Só preciso das sementinhas que têm. Duas xícaras é o suficiente. Duas xícaras bem cheias. E apanhava maçã por maçã, com delicadeza. Afecto, até. Demorou dias infindos, horas a crestar sob o sol implacável, afagos plangentes a cada fruto colhido. Alfim, todas na cozinha. Falta abri-las, extrair as sementes, encher as duas xícaras, esmagar, misturar num copo de água, dar-lho a beber, num gole do tamanho da sua aflição.

A maçã observa com terror o cenário implantado na cozinha. As outras maçãs jazem esventradas, sementes extraídas à revelia, inanes na decisão do seu fado. Só falta esta, constata a mulher. Agarra na maçã revoltada, prepara-se para lhe abrir o ventre, um protesto. Pára. O que vais fazer? Sabes que as nossas sementes têm cianeto? Sabes que podes matar alguém com isto? Tens ali quantidade suficiente para matar uma pessoa, Eu sei. Esta colheita foi boa, O que é que vais fazer? Baixa essa faca, Só faltam as tuas sementes, minha linda, só as tuas. Já tenho suficiente, Para quê?, Para salvar a minha menina, Salvar?, Vou-lhe dar estas sementinhas todas, vai ficar tão tranquila, Tu vais matá-la, Vou salvá-la, És louca, Louca seria se a deixasse assim, O quê? Explica-te melhor, Desde quando é que tenho de dar explicações a uma maçã?, Desde que precisas das minhas sementes para cometer um crime, Achas que é um crime?, Não a queres matar, sua louca? Não queres matar a tua própria filha?, Não percebes, Não, é impossível perceber os loucos, Já viste a minha menina?, Só um vulto no quarto lá do fundo. Fui a última a sair da árvore, lembras-te?, Vocês são todas iguais, é possível que as confundisse. As outras maçãs não te explicaram?, Só sei o que foste dizendo lá fora. E olha que não gostei nada. Porque é que uma mãe havia de matar a filha?, Para a salvar, Que estupidez. Porque tiveste uma filha, então?, Não imaginava que viesse avariada, Não é um brinquedo, Não sabes nada, maçã, nada, Queres explicar? A mulher olha para a maçã. Está quieta, curiosa por saber o que aconteceu, temerosa pela verdade que aí vem. Antes de a minha menina nascer, estava tudo bem. Depois… ficou tudo mal. Se tivesse cara, a maçã teria franzido o sobrolho, se tivesse braços, cerrado os punhos. Que resposta tão parva, Não é parva, é a verdade, contrapõe a mulher. Isso não é lógico, muito menos racional, conclui a maçã. Explica-te. Queres as minhas sementes, não queres? Então, desembucha, Quando nasceu, ficou avariada. Uma infecção, uma bactéria. Foi-lhe para a cabecinha e ela ficou assim. Já lá vão onze anos e nada. Não anda, não come, não bebe, não fala. Nem engole a comida, tem de ser com aquele tubinho que deram lá no hospital. No outro dia olhou para mim, com aqueles olhos amortecidos. Olhou muito, nunca olhou para mim antes, sabes? Está sempre com os olhos vazios, como se não estivesse lá ninguém dentro daquele corpinho, daquela cabecinha, como se estivesse tudo vazio. Mas, naquele dia, olhou para mim. Só um bocadinho, mas disse tanto. Que já não aguentava mais, que aquilo não era vida, que estava cansada. E ela é que tem razão, sabes? Aquilo não é vida, aquilo, Claro que não, é horrível, mas daí a matá-la. Tu não tens esse direito. És um monstro, conclui a maçã. Achas? E se a deixar assim?, Há tratamentos, Anda há onze anos a fazer tratamentos. O cérebro dela está podre. Foi todo comido pela bactérias. Está podre. Podre e, Pára, grita a maçã, aflita. Pára.

Silêncio. Longo, mortal. A mulher fala. Só faltam as tuas sementes. Sabes que não podes fugir. Sabes que basta agarrar em ti e abrir-te. Estou só a ser simpática, E tu?, Eu o quê?, O que vais fazer quando ela… quando tu… quando, Esperar. Não posso fazer mais nada, Esperar? Esperar o quê?, Que deus me leve, Achas mesmo que ele te vai valer?, Porque não?, Valeu-te nos últimos onze anos?, Não, mas, Então vais esperar porquê?, Não tenho mais maçãs, lamenta-se a mulher. Ficam de novo caladas. Um suspiro e a mulher agarra na maçã. Esta grita, triunfal. Pêssegos, Hum?, Pêssegos. Também têm o que precisas, Os pêssegos?, Sim, até têm mais quantidade e tudo. Tu tens pêssegos no quintal, Tenho, mas, Então, vai buscá-los, Quantos?, Sei lá, vê na net. Ela vai. Espera, grita a maçã. O que é?, Falto eu, Tu?, As minhas sementes, Não vou tirar as tuas sementes, Claro que vais, Mas, Faço questão. Podes usar aquela faca? Parece mais confortável. Desculpa, Não peças. Corta, incentiva-a a maçã. Obrigada, Sempre.

A Resposta

Os passos sorrateiam no lajedo. O lusco-fusco penumbra a caixa de correio. Abre-a. A expectativa inunda-lhe o corpo, inebria a mente. Vazia. Sempre vazia. A caixa de correio. A mente também. E o corpo. Ai o corpo. Oco, como a terra que já não germina um grão de pólen. Não espera mais, precisa de uma resposta. A casa não é longe. Põe os pés ao caminho, o corpo também. A mente não, já lá está. É rápida. A mente abre a porta, não, já está aberta. Empurra, apenas. E vê o sorriso. Só o sorriso, desprendido do corpo que o acolhe. Um sorriso bem-vindouro que acolhe o sorriso bem-chegante que acaba de entrar. O corpo estendido no sofá, cabeça encostada na almofada. Já tens uma resposta?, Sim, Ergue-se o sorriso. E então?, Sim, Sim?, Sim, É a tua resposta?, Sim, Sem hesitação?, Nem um bocadinho, Então é sim, Claro que é sim. Estás à espera de quê? Abraça-me, E beijo?, O que é que achas? E o sorriso subsiste no corpo que ainda vai a caminho, nos pés que ainda sorrateiam no lajedo penumbrado pelo lusco-fusco. Quase a chegar, o sorriso vai crescendo na proporção inversa à distância que ainda falta percorrer. Enfim a porta. Aberta, como a mente imaginou. O corpo estendido no sofá, cabeça encostada na almofada. Tudo como a mente previu. Já tens uma resposta? O sorriso não se ergue. Então, já tens uma resposta? O sorriso lá está, mas não se ergue. O braço pendurado, os dedos a roçar no chão. Um fio vermelho desprende-se do braço, do pulso. Do outro braço também. Ensopa o sofá. O corpo que chegou aproxima-se do que já lá estava. Arrepia-se. O riacho vermelho é maior a esta distância, forma uma poça no chão. Já não pinga mais nada. Todas as gotas se desprenderam já do pulso. Cinco litros de sangue já frio numa poça tão redonda como o sorriso que ficou no rosto inane. Cinco litros de sangue e um arabesco feito com os dedos. Não decifra a mensagem, vira-se. Ah, agora é clara. Sim. O que é que tu fizeste? Não, não. E agora. Agora não há mais nada, só uma resposta. Sim.

Rafaela Lacerda / Autora / Todos os direitos reservados
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